Tutela cautelar e de urgência na arbitragem (parte 2)

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O Plenário do Senado aprovou no último dia 5 de maio, por unanimidade, proposta com importantes avanços para a disciplina das tutelas cautelares e de urgência. Agora, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 406/2013 será remetido à Presidência da República para sanção.
Os dispositivos que regulam o tema são os seguintes:
Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medidas cautelares ou de urgência.
Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de trinta (30) dias, contados da data da efetivação da respectiva decisão.
Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.
Parágrafo único. Estando já instituída a arbitragem, as medidas cautelares ou de urgência serão requeridas diretamente aos árbitros.
Além desses dois artigos, há ainda a previsão de supressão do confuso §4º do art. 22 da redação original da Lei de Arbitragem (conforme o art. 5º do PLS 406/2013)[1].
A nova norma esclarece que a competência para apreciar as medidas cautelares ou de urgência é do árbitro, cabendo às partes solicitá-las ao Poder Judiciário somente antes de instituída a arbitragem. A jurisdição do Poder Judiciário sobre a lide é subsidiária, com claros limites sobre seu âmbito de atuação. Concilia-se, assim, a garantia constitucional de acesso à jurisdição e o compromisso livremente firmado pelas partes de submeter o litígio à arbitragem, com afastamento da jurisdição estatal[2].
O prazo de 30 dias para a propositura da ação principal (art. 806 do CPC) restará cumprido com a comprovação pelo autor de que requereu a instauração da arbitragem. Inovação importante, pois compatibilizar o tradicional trintídio legal à realidade arbitral, já que, diferentemente do litígio judicial, a instauração da arbitragem não depende exclusivamente do autor, mas assim também do réu (que pode resistir, o que geraria a propositura da execução específica da cláusula compromissória – art. 7º da Lei de Arbitragem), além dos próprios árbitros, já que a arbitragem só se considera instituída quando da aceitação destes (art. 19 da Lei de Arbitragem).
A medida cautelar preparatória de arbitragem será submetida ao órgão do Poder Judiciário de acordo com as regras gerais de competência. Se a cláusula compromissória constar de contrato firmado com cláusula de eleição de foro, a competência será do foro convencionado[3].
Nas medidas cautelares e de urgência preparatórias à arbitragem haverá uma restituição provisória da jurisdição arbitral à estatal, caracterizada pela subsidiariedade, precariedade e sumariedade. Isso porque, a princípio, a intenção das partes era outra ao firmarem a cláusula compromissória. Porém, a imposição fática (ausência de instauração da arbitragem), impõe a solução encontrada.
A subsidiariedade se justifica pela impossibilidade do árbitro de proferir decisão (usualmente sequer haverá árbitro indicado!). Antes de firmado o compromisso ou proferida a sentença que o substitua (art. 6º e 7º da Lei), é ausente o poder jurisdicional do árbitro.
Diz-se que há sumariedade porque somente ao árbitro caberá a análise do mérito e o exaurimento da cognição. O magistrado, porém, deverá analisar a existência do fumus boni iuris ou da verossimilhança do direito alegado, além do periculum in mora, sem que isso constitua invasão indevida aos limites da jurisdição arbitral.
A restituição provisória da jurisdição é, nesses casos, precária, pois só se justifica diante do periculum in mora composto[4]. O magistrado deverá verificar, na medida urgente, primeiro a impossibilidade da sua análise pelo juízo arbitral, e, em seguida, a existência do perigo de dano irreparável a justificá-la. Verificar o primeiro requisite sera relativamente fácil nas medidas pré-arbitrais, porém discutível depois de instaurada a arbitragem, nas hipóteses em que a parte requerer cautelar alegando a impossibilidade de apreciação pelo árbitro com a celeridade adequada ao caso.
A consequência da precariedade impõe, uma vez verificada a possibilidade do árbitro de apreciar a tutela de urgência, o esvaziamento da jurisdição do Poder Judiciário. As medidas pré-arbitrais deverão ser imediatamente remetidas ao juízo arbitral assim que ele for instituído. Uma vez submetidas ao árbitro ele poderá para rever ou confirmar a decisão do Judiciário.
Por fim, quanto ao cumprimento das medidas cautelares e de urgência incidentais deferidas pelo árbitro, na nova redação proposta, este se dará através do instrumento da carta arbitral. O PLS 406/2013 prevê a criação do art. 22-C na Lei de Arbitragem, com a seguinte redação:
Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral, para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.
Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral sera observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem.”
O juiz, ao receber a carta arbitral – com função assemelhada à carta precatória – deverá dar cumprimento ao solicitado pelo árbitro, sem realizar novo exame de mérito da questão. Poderá, contudo, avaliar os aspectos formais da solicitação[5].
As mudanças para a tutela de urgência na arbitragem, a serem implementadas com a sanção do PLS 406/2013, serão significativas e importantes. Apesar do avanço, podem-se vislumbrar alguns problemas que podem decorrer da interpretação da norma e que certamente merecerão atenção da doutrina e da jurisprudência. Na próxima coluna, vamos analisar essas situações, bem como as soluções que se apresentam mais adequadas.
[1] Remete-se, para mais detalhes, à última coluna aqui publicada.
[2] Essa também foi a solução adotada pelo legislador inglês. O Arbitration Act inglês de 1996, quanto ao tema, possui a seguinte redação:
“Art. 44. (…)
(5) In any case the court shall act only if or to the extent that the arbitral tribunal, and any arbitral or other institutions or persons vested by the parties with power in that regard, has no power or is unable for the time being to act effectively.
6) If the court so orders, anordermadeby it under this section shall cease to have effect in whole or in part on the order of the tribunal or of any such arbitral or other institution or person having power to act in relation to the subject-matter of the order.”
[3] Em geral, coexistem nos contratos cláusula compromissória e cláusula de eleição de foro. Isso não importa em contradição, já que mesmo na hipótese de haver arbitragem, pode ser necessário o ajuizamento de alguma demanda judicial, seja para assegurar a instauração da arbitragem em caso de resistência (art. 7º da Lei de Arbitragem), seja para futura execução de sentença arbitral, ou, como aqui examinado, para ajuizamento de medidas cautelares antes de instaurada a arbitragem.
[4] Clávio Valença Filho: “Trata-se do periculum in mora composto, feito de dois elementos: o tradicional risco de dano irreversível e a impossibilidade de efetiva tutela arbitral de urgência”. (VALENÇA FILHO, Clávio de Melo. Tutela judicial de urgência e a lide objeto da Convenção de Arbitragem, cit.).
[5] Carlos Alberto Carmona, sobre a égide da lei atual, defende que: “Recebido o ofício e os documentos, o juiz verificará se a convenção arbitral é regular e se os dados recebidos permitem-lhe avaliar (sempre formalmente) se a solicitação preenche os requisitos que levarão ao seu cumprimento. Em caso positivo, determina as providências deprecadas (solicitadas, pedidas, rogadas) pelo árbitro; em caso negativo, informará ao árbitro o motivo da recusa de cumprimento, devolvendo o ofício recebido”. (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/1996, cit., pp. 325/326)
Por Caio Cesar Rocha, advogado, sócio do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados e membro da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de lei para revisar a Lei de Arbitragem. Tem doutorado em Processo Civil pela USP e pós-doutorado pela Columbia University, de Nova York.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2015, 13h00.
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